Centro Cultural Cândido José de Araújo não funcionava desde o ano passado
Luiz Nascimento
O grupo Guardiões da Colina entregou as chaves do imóvel onde funcionava o Centro Cultural Cândido José de Araújo, local onde o Vasco foi fundado, em 21 de agosto de 1898. O espaço, localizado no número 345 da rua Sacadura Cabral, foi inaugurado em 2020 com a ajuda de torcedores e vinha sendo mantido pelo clube em parceria com a Ambev, patrocinadora da agremiação, mas estava sem funcionar desde o ano passado. A placa que indicava o local de fundação do Vasco foi retirada.
Um dos responsáveis pela idealização do projeto, Raphael Pulga, retirou objetos e móveis do imóvel. Entre esses objetos, o busto de Cândido José de Araújo, presidente do Vasco entre 1904 e 1905 e que batiza o centro cultural – Candinho é o primeiro presidente negro de um clube no Rio de Janeiro. Outro idealizador, Fábio Monteiro, lembrou ao ge, o esforço da torcida para botar o espaço em funcionamento.
– Nós, que somos torcedores, pegamos doações, metemos a mão e levantamos o negócio, como acontece na história do Vasco, e o próprio clube, com dinheiro em caixa do patrocinador, não fez nada – afirmou Fabio.
O dinheiro a que ele se refere foi arrecadado pela Ambev em 2021, por meio de uma ação com o aplicativo Zé Delivery, e visava a revitalização do imóvel para reabertura da fundação. Em março do ano passado, o proprietário colocou o espaço para aluguel depois de não chegar a um acordo com o Vasco sobre o contrato de locação. Foi quando a cervejaria Brahma (que pertence a Ambev) entrou na história e bancou um ano de aluguel, além de promover uma campanha para arrecadar fundos junto à torcida. Ao todo, foram repassados R$ 70 mil para a reforma do local.
– A obra foi estimada em R$ 25 mil. Fizeram a obra em outubro do ano passado e nada foi feito além disso. Disseram que contratariam uma curadora para fazer exposições, chegamos a participar de reuniões para tentar ajudar, mas as coisas não andavam – declarou Fabio.
+ RECEBA NOTÍCIAS DO VASCO NO CELULAR TOTALMENTE GRÁTIS! CLIQUE AQUI!
Raphael relembrou que o Candinho era aberto a todos e que todos os candidatos à presidência do Vasco prometeram ajudar na revitalização e manutenção do local.
“A gente manteve o espaço com vaquinhas e doações. Por mais que a gente tenha entregue a chave, o que aconteceu ali foi muito especial. O Candinho era aberto a todo mundo, todo mundo era muito bem recebido, e diversos grupos ajudaram. Após a eleição, a ideia era entregar o espaço ao Vasco, para que levasse à frente. E todas as chapas fizeram essa promessa de campanha, de continuar com o projeto. E assim foi feito. Após a eleição, fizemos todo o meio de campo”, disse Pulga ao UOL Esporte.
A diretoria do Vasco visa uma solução para reabrir o Candinho o mais rápido possível. Em resposta ao Globo Esporte, o clube disse que do dinheiro arrecadado na ação com o Zé Delivery e a Brahma, usou R$ 30 mil para a reforma do imóvel e o restante em cenografia. No entanto, o Cruzmaltino entende a importância do local para a sua história. O problema atual, segundo o clube, é o aumento no valor do aluguel, que está perto de R$ 9 mil. A Ambev disse que está acompanhando.
Foi no endereço onde é o Centro Cultural Candinho que aconteceu a reunião de fundação do Vasco, na noite de 21 de agosto de 1898. No entanto, essa descoberta foi recente. Por muitos anos, até pela dificuldade de encontrar registros e documentos da época, se acreditava que o Vasco da Gama havia sido fundado na Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, importante reveladora de artistas amadores da época.
Um evento em 2011, com o presidente vascaíno da ocasião, Roberto Dinamite, aconteceu no local onde teria ocorrido a fundação para celebrar o feito, inclusive.
O verdadeiro local foi conhecido e revelado tempos depois com a ajuda do historiador vascaíno Henrique Hubner, que já fez parte do Centro de Memória do clube.
Centro Cultural Candinho
O Centro Cultural Cândido José de Araújo foi inaugurado em novembro de 2020 após torcedores notarem a disponibilização do imóvel onde o Vasco foi fundado para locação. Como o clube estava em período eleitoral, o grupo fez um contrato de seis meses para que o novo presidente assumisse, posteriormente, a administração do espaço, o que foi confirmado pela gestão de Jorge Salgado em janeiro de 2021.
Com a mobilização dos vascaínos, através do sistema de crowdfunding, o centro cultural localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro ficou inativo por inviabilidade econômica no início de 2021. Na ocasião, o Vasco também alegou incômodo com o aumento do valor do aluguel, e a situação foi temporariamente resolvida devido a parceria com a Ambev.
Quem foi Cândido José de Araújo?
Candinho, como era mais conhecido, foi eleito em 1904, quando o Vasco ainda era um clube de regatas, e nem sonhava em começar um departamento de futebol. Foi em sua gestão que o clube levou os seus primeiros títulos no remo e alcançou fama nacional. Um ano antes de sua posse, conseguiu captar o maior número de sócios para o clube, o que lhe rendeu uma medalha por sua contribuição para o Vasco anos depois.
Cândido José de Araújo, que era de uma família que ascendeu, se tornou o oitavo presidente do clube apenas 16 anos depois da abolição da escravatura, quando a sociedade ainda tinha um grande preconceito com os negros.
A Pequena África
O bairro da Gamboa, onde fica a casa em que o Vasco nasceu, faz parte de uma região da cidade do Rio de Janeiro conhecida como “Pequena África”, que compreende ainda os bairros da Saúde e Santo Cristo. Nesta região, estão pontos que contam um pouco da história da cultura afro-brasileira. O Cais do Valongo, um dos maiores pontos de desembarque de escravos e tráfico negreiro das Américas, foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco em 2017.
Após a proibição do comércio de escravos no Brasil, negros libertos passaram a trabalhar na região. Na virada do século 19 para o século 20, afro-brasileiros de diversas partes do país foram para a região em busca de trabalho e acolhimento.
Atualmente, há roteiros de visita pelos diversos pontos da Pequena África. Apesar da revitalização de alguns lugares, muitos locais importantes ainda sofrem com os recursos escassos.
